Chamado para ação

O combate ao racismo e a promoção da justiça racial precisam se tornar estratégias centrais e contínuas no enfrentamento das persistentes desigualdades sociais do país. Considerando a importância e a dimensão estruturante da população negra na sociedade brasileira, o campo da filantropia e do investimento social privado (ISP) pode fomentar uma perspectiva de atuação antirracista que impacte a construção de respostas institucionais e que norteiem o setor em seus posicionamentos e ações.

Dados do Censo GIFE de 2018 e da pesquisa organizacional de 2019 apontam progressos em relação aos anos anteriores quanto à promoção de equidade racial na composição e atuação das organizações filantrópicas e do ISP, no entanto ainda há muito a se avançar nesta agenda.

Realizado desde 2001 com periodicidade bienal, o Censo GIFE é uma das principais pesquisas sobre ISP no Brasil, abordando uma grande variedade de temas e fornecendo um panorama sobre estrutura, formas de atuação e estratégias de empresas, institutos e fundações empresariais, familiares e independentes que destinam recursos privados para projetos de finalidade pública.

133 organizações responderam ao Censo GIFE 2018, o que correspondia a 84% da base associativa do GIFE na época de coleta dos dados.

De 2016 a 2018, A composição dos conselhos ganha caráter mais plural em termos raciais, porém população negra ainda permanece Sub-representada

Quanto à composição dos conselhos, a parcela de organizações do ISP que conta exclusivamente com pessoas brancas caiu de 71% para 58% entre 2016 e 2018, e a proporção de investidores sociais com conselheiros de diferentes cores/ raças subiu de 20% para 31%.

Gráfico 1 – Institutos e fundações* por composição racial do conselho deliberativo (2016 e 2018)

Gráfico 2 – Institutos e fundações* por detalhamento da composição racial do conselho deliberativo (2016 e 2018)

INVESTIDORES SOCIAIS AINDA
PODEM AVANÇAR NAS INICIATIVAS
INTERNAS DE PROMOÇÃO DA
DIVERSIDADE E INCLUSÃO

Gráfico 3 – Organizações por política de promoção da diversidade e inclusão (2019)

Gráfico 4 – Organizações por metas ou cotas para contratação de públicos específicos (2019)

Gráfico 5 – Organizações por iniciativas de formação em temas de diversidade e inclusão (2019)

Além disso, o tema da diversidade ainda é pouco trabalhado junto aos colaboradores. Contudo, a grande maioria dos investidores sociais prevê outras iniciativas de capacitação para seus colaboradores, sendo que uma pequena parcela (6%) não tem práticas de capacitação preestabelecidas.

A PROMOÇÃO DA
IGUALDADE RACIAL
AINDA NÃO FIGURA COMO FOCO
DE PROJETOS OU PROGRAMAS (2018)

%

das organizações indicam raça, origem ou comunidades tradicionais como público específico em seus projetos ou programas

%

das organizações focalizam a população negra em seus projetos ou programas. Esse percentual cai para 2% se forem consideradas as organizações que têm como foco prioritário a população negra

%

dos respondentes não têm projetos ou programas com foco em raça

Dentre as subáreas relacionadas à defesa de direitos, cultura de paz e democracia, enquanto a maior parte dos respondentes (12%) mencionou o direito das crianças e adolescentes como tema mais frequente em seus projetos ou programas mais representativos, 6% dos investidores sociais indicou preconceito, discriminação, racismo e/ ou equidade racial.

Gráfico 6 – Organizações por subáreas dos projetos ou programas mais representativos relacionadas à defesa de direitos, cultura de paz e democracia

10 PRINCÍPIOS GLOBAIS PARA O FINANCIAMENTO NEGRO E COMPROMISSO PELA IGUALDADE

A pandemia do novo coronavírus, recessões, injustiças raciais e mudanças climáticas estão dizimando comunidades negras em todo o mundo. Apesar dos altos níveis de empreendedorismo e doações, as pessoas negras não têm acesso equitativo ao capital privado necessário para a recuperação e o bem-estar das comunidades.

Em resposta a esse cenário, em 2021 o Mês da Filantropia Negra (Black Philanthropy Month BPM, na sigla em inglês) teve como foco a convocação de financiadores filantrópicos e empresariais para aumentar e melhorar o financiamento para comunidades negras. Com base nas enquetes realizadas com os participantes do BPM 2020, a comunidade negra global do BPM, representando 30 países, identificou 10 novos princípios para o financiamento negro. 

Os financiadores podem adotar esses princípios assinando o Compromisso pela Igualdade no Financiamento Negro (Black Funding Equity Pledge).

Encorajamos todos os investidores sociais, filantrópicos e de risco a assinar o Compromisso para seguir os princípios do BPM para um impacto mais justo, eficaz e transformador na igualdade racial e na justiça social. O BPM planeja acompanhar o progresso entre os setores e apoiar o sucesso dos financiadores que se comprometem com os princípios.

Um agradecimento especial a todos os signatários por se juntarem ao Movimento BPM e por apoiarem mais igualdade no financiamento negro.

1. Metas públicas, transparentes e anuais para um financiamento negro de impacto

A responsabilidade pública e transparente sobre os níveis de financiamento para as comunidades negras é necessária para tornar a equidade real. Os financiadores devem estabelecer planos plurianuais com metas anuais para aumentar e aprimorar o financiamento equitativo nas comunidades negras. Devem também compartilhar dados de financiamento de equidade racial para que o campo possa rastrear, medir e divulgar o progresso em termos de fácil utilização. Por fim, financiadores devem adotar os Novos Princípios de Financiamento Negro para promover equidade e impacto de justiça racial nos financiamentos.

2. Financiamento de longo-prazo e plurianual

É essencial fornecer financiamento de longo prazo e plurianual para construir e manter a capacidade organizacional e comunitária de grupos e empresas fundados, liderados e beneficiados por pessoas negras (também conhecidos como organizações “indígenas” na África), incluindo pequenos negócios e organizações sem fins lucrativos comunitários.

3. Lembre-se de pequenas e médias empresas e startups negras

Para a recuperação e segurança econômica da comunidade negra, é importante aumentar o capital (filantropia, investimento social, capital de risco e outros fundos) para apoiar empresas de pequeno a médio porte e startups negras, conforme padrão definido em cada país.

4. Confie em nós para uma mudança

Preconceitos racistas sobre a inferioridade e incompetência de pessoas negras resultaram historicamente em um financiamento desigual. Inovadores e empreendedores negros devem ter oportunidades iguais de financiamento. Não se pode alcançar equidade ou justiça racial sem um financiamento justo.

5. Suporte flexível e geral para operações

Para prosperar e ter impacto, as organizações negras precisam de recursos para crescer e se manter ao longo do tempo. Grande parte do financiamento direcionado para essas organizações negligencia a necessidade de um apoio operacional.

6. Financiamento com lentes de justiça social

Indivíduos e instituições de todas as origens devem usar uma lente de justiça social que aborde as raízes da desigualdade para alcançar mudanças duradouras.

7. Preservação da prática de filantropia negra de autossuficiência e apoio mútuo

O financiamento negro envolve contar primeiramente com o conhecimento e recursos comunitários, ao mesmo tempo em que responsabiliza a sociedade por uma maior equidade.

8. Apoio à inovação e criatividade negras

Mude o financiamento para um modelo baseado na força, que reconheça e construa a inovação, criatividade e cultura negras. A criatividade negra não é apenas uma forma de expressão cultural, mas também constrói uma visão compartilhada, resiliência e novas soluções para desafios locais e globais.

9. Apoio a uma agenda intersetorial de direitos humanos

A comunidade negra não é monolítica. É necessário respeitar a sua diversidade e promover os direitos humanos de todas as pessoas negras, independentemente de origem nacional, étnica, orientação de gênero, habilidades e outras identidades.

10. Financiamento inclusivo e de apoio mútuo em toda a comunidade negra global

O preconceito racial é um desafio global. Devemos mobilizar e apoiar a comunidade e economia negras globais para promover a equidade nos financiamentos, equilibrando respostas locais com colaboração internacional.

TEMAS E PRIORIDADES PARA ORIENTAR AÇÕES DO ISP NO COMBATE AO RACISMO E NA PROMOÇÃO DA EQUIDADE RACIAL

A partir dos mais variados espaços de rede da atuação cotidiana do GIFE e das atividades realizadas ao longo dos oito meses de 11º Congresso, cujo encerramento aconteceu em março de 2021, o GIFE produziu, de modo colaborativo, um documento que sistematiza o balanço dos acúmulos e aprendizados deste período, bem como se propõe a compartilhar uma visão coletiva do ecossistema da filantropia e do ISP brasileiro sobre os horizontes e as prioridades para o setor nos próximos anos. A seguir são apresentados os temas prioritários para a agenda de equidade racial:

A reflexão e a atuação de combate à desigualdade racial precisam se tornar estratégia central e contínua no enfrentamento da desigualdade estrutural no país. O ISP pode fomentar uma perspectiva de atuação antirracista que impacte a construção de respostas institucionais à injustiça racial na sociedade, em particular durante a pandemia (uma vez que a população negra é e segue sendo a mais afetada).

Em busca de uma sociedade civil mais plural, é importante que as organizações do campo da filantropia criem e ampliem estratégias e práticas de fortalecimento de organizações negras, de movimentos negros e de suas lideranças. Por exemplo, investindo maciçamente na formação de lideranças e renovação de quadros, aproveitando o aumento da proporção de jovens e professores negros nas universidades. A representação política da população negra precisa crescer.

Com vistas a garantir trabalho e renda a negros, o ISP pode contribuir com ações afirmativas e com recortes raciais em seus programas, projetos e doações. É importante que as lideranças do setor vocalizem a necessidade da continuidade do auxílio emergencial no contexto de pandemia, já que a população negra é a mais afetada.

Considerando a representação do tema de educação nos projetos do campo, o ISP pode investir decisivamente em uma educação antirracista, já que a educação pública de qualidade para todos pode ser um expediente fundamental na promoção da equidade racial. Educação e cultura são instrumentos para disputar o imaginário social no enfrentamento do autoritarismo e do apagamento das experiências coletivas do povo negro.

O recorte da juventude negra, em particular, precisa se tornar prioridade na agenda racial – pela necessidade de promoção, significado e potência (cultural, de trabalho etc.), mas também pelo brutal número de assassinatos cometidos contra essa parcela da população brasileira.

Gênero e raça precisam ser abordados de forma interseccional, pois se reforçam mutuamente.

Fomento e apoio a ações afirmativas podem ocorrer a partir do engajamento de empresas, institutos e fundações para revisar suas práticas internas, composição das equipes, códigos laborais pautados pela branquitude e governança.

O racismo está presente em todos os espectros da vida social, de modo que a promoção da equidade racial deve ser aproximada, articulada e integrada com outras agendas estruturantes, como saúde, educação, cultura, desenvolvimento econômico.

Mais pessoas e organizações brancas precisam se engajar na agenda antirracista e de equidade racial, dividindo com a população negra os esforços e resultados em prol de uma sociedade mais inclusiva e menos desigual.