Luiz Augusto: ‘Sem equidade racial no universo corporativo, não vamos reduzir as desigualdades no Brasil’

fev 17, 2025 | Publicações

Em todos os cargos de trabalho, pessoas negras ganham 39,2% menos e ocupam apenas 33,7% dos cargos de liderança.
Por Beatriz de Oliveira, do Nós, mulheres da periferia

No Brasil, pessoas negras ganham, em média, 39,2% a menos do que pessoas não negras; Em todos os cargos de trabalho, a remuneração média de pessoas negras é inferior à média da população, e elas constituem maioria no trabalho informal, ocupando apenas 33,7% dos cargos de direção e gerência. Esses dados, coletados em 2023, fazem parte de levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), e destacam a urgente necessidade de promoção da equidade racial no mercado de trabalho.  

Segundo Luiz Augusto Campos, professor de Sociologia e Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), o mercado de trabalho é o principal espaço de reprodução das desigualdades brasileiras. “O Brasil é um país com extrema desigualdade de renda e de oportunidades. Em todas as democracias modernas e países capitalistas, o lugar de reprodução e de mitigação dessas desigualdades é o mercado de trabalho”, afirma o também coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA). 

O professor observa que, embora grandes empresas se preocupem pontualmente em executar ações de equidade racial, isso é insuficiente para combater a ampla desigualdade existente.“Países como Índia, Estados Unidos e África do Sul adotaram sistemas de ação afirmativa, obrigando empresas a garantir percentuais mínimos de equidade racial”, afirma. 

 “O Brasil está muito longe disso. A maioria das empresas não têm políticas nesse sentido e o governo é tímido em criar leis que as obriguem a adotar essas medidas”. 

A desigualdade é ainda mais acentuada quando se considera o recorte de gênero e raça. Mulheres negras com ensino superior recebem 55% menos que homens brancos com o mesmo grau de escolaridade, segundo pesquisa de 2023 “Mulheres no mercado de trabalho”, do Instituto Locomotiva

Vinda do sertão pernambucano, Gabrielle Lira, começou a trabalhar como poeta e a declamar poesia de porta em porta, no metrô, na praça e nas ruas, como em um slam. Hoje é CMO da 99jobs e relata as barreiras enfrentadas no acesso ao mercado de trabalho. “Não tinha inglês, não tinha esses cursos que são diferenciais. Então, já era uma primeira barreira para mim. Nunca me inscrevi em processos seletivos quando estava na graduação”, diz. 

Lira destaca a importância de contratação de pessoas negras para cargos de liderança como medida crucial no enfrentamento à desigualdade. “Quando falamos de empregabilidade de jovens e de pessoas negras, não podemos pensar apenas no nível operacional. Para que as empresas promovam mudanças significativas de valores e cultura, para que todo discurso, a ideologia da diversidade e inclusão possa funcionar na prática, precisamos ter essas pessoas em cargos de liderança”. 

Caminhos para a promoção da equidade racial no universo corporativo

Para Luiz Augusto, as principais medidas para a enfrentar a desigualdade racial no universo corporativo são políticas de cotas e de promoção para profissionais negros. “O Brasil vem consolidando alguns modelos de ações afirmativas sendo as cotas mais efetivas. Sempre que uma empresa realiza seleções, deve se preocupar com cotas percentuais mínimas de inclusão racial”, diz. 

Além disso, políticas de incentivo à formação de profissionais negros e cursos de formação são fundamentais para esse enfrentamento. 

Um estudo realizado pelo Instituto Identidades do Brasil (ID_BR) prevê que o país alcance equidade racial no mercado de trabalho apenas em 2190. O estudo também aponta que um aumento de 10% na diversidade étnico-racial pode elevar a produtividade das empresas em quase 4%.

A iniciativa Pacto de Promoção da Equidade Racial propõe medidas como a identificação e a revogação de práticas administrativas incompatíveis com a valorização da diversidade, a implementação de normas para a valorização da diversidade e estabelecimento de indicadores para monitorar o impacto e a eficácia dessas políticas. 

Luiz Augusto pontua que a redução de desigualdades no mercado de trabalho reverbera em todas as esferas da sociedade. “Mesmo que a gente estabeleça cotas de modo bem sucedido no ensino superior, se pretos e pardos que se formam no ensino superior não conseguem se inserir no mercado de trabalho de modo equitativo, as cotas do ensino superior falharam. Essas cotas contribuem para a igualdade do mercado de trabalho, mas não a garantem sozinhas. Por isso, o universo corporativo tem que, de modo bastante ousado, incorporar essas medidas e avançar nesse sentido”, explica. 

“Sem equidade racial no universo corporativo, não vamos reduzir as desigualdades no Brasil”, conclui Campos. 

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