Wagner Silva, coordenador de fomento da Fundação Tide Setubal, analisa estratégias inovadoras de doação e caminhos para implementá-las
“Diante do cenário de escassez de recursos, a busca por novos modelos de doação deve ser uma estratégia permanente das organizações periféricas e negras”. A afirmação é do sociólogo e coordenador de fomento da Fundação Tide Setubal Wagner Silva, mais conhecido como Guiné. Em entrevista, ele explica os caminhos para a implantação de novas formas de captação e dá exemplos de casos bem-sucedidos.
A sustentabilidade financeira é certamente um dos maiores desafios das organizações sociais, mas para aquelas que são negras e periféricas, essa dificuldade se torna ainda maior. “Na prática, as organizações captam recursos suficientes para projetos pontuais, o que na maioria das vezes não inclui recursos financeiros para a manutenção das suas operações gerais”, afirma Guiné.
Entre os modelos de captação bem-sucedidos e mais usados estão o crowdfunding (financiamento coletivo) e o matchfunding (financiamento coletivo com participação de empresas). Outros caminhos possíveis são doações por redes sociais, modelos de assinatura e doações empresariais integradas com doações de pessoas físicas.
Publicada em maio de 2022, a pesquisa “Digital for Good: estudo global sobre modelos emergentes de doação”, da Universidade de Indiana (EUA), investigou inovações nos formatos de captação em diferentes países, incluindo o Brasil. Doação por meio de arredondamento do valor e compras de produtos sociais são exemplos de abordagens identificadas no território brasileiro. O estudo revelou ainda que doadores brasileiro querem saber como o seu dinheiro tem impactado a organização; por isso, vale priorizar modelos de captação com transparência.
Guiné pontua que, ao planejar uma nova forma de captação, as organizações devem levar em consideração questões como engajamento da comunidade, rede de relacionamentos e prestação de contas. “Ter um plano de captação e mobilização de recursos que incorpore diferentes fontes de recursos.
Isso inclui novos modelos de doação, é o primeiro passo para que as organizações periféricas e negras não fiquem subordinadas aos recursos destinados às urgências e emergências das periferias brasileiras”, diz.
Confira a entrevista completa.
A ideia dessa conversa é entender o cenário de novos modelos de doações que estão sendo colocados em prática. Mas, antes disso, pode dizer quais são os modelos tradicionais de doação?
Guiné: A mobilização de recursos talvez seja o maior desafio para a maioria das organizações sociais como forma de garantir a sua existência. Porém, a sustentabilidade financeira é um desafio ainda maior para as organizações periféricas e negras, em razão da evolução de captação de recursos dessas organizações ser pouco desenvolvida. Na prática, as organizações captam recursos suficientes para projetos pontuais, o que na maioria das vezes não inclui recursos financeiros para a manutenção das suas operações gerais.
Os modelos tradicionais de doação mais comuns são: as doações individuais, realizadas por pessoas físicas, seja por campanhas diretas ou angariação de fundos e as doações de fundações, institutos e empresas que doam recursos para projetos e causas específicas, por meio de investimento direto ou chamadas de projetos, popularmente conhecidos como “editais”. Há também o modelo de doação online, realizado por de campanhas como “vaquinhas virtuais”. Esse modelo de doação por ser para uma ação pontual ou na modalidade recorrente.
Como você avalia o uso desses modelos atualmente pelas organizações filantrópicas?
Guiné: As organizações filantrópicas, também conhecidas como organizações do investimento social privado, têm como modelos de doação mais comuns, o investimento direto e os editais. Na minha opinião, a principal diferença entre estes dois modelos está na transparência no processo de seleção. Se nos editais, os critérios de elegibilidade e avaliação apresentam o perfil desejado das organizações a serem apoiadas, fica mais difícil de saber quais são os critérios, por mais que sejam conhecidos critérios gerais como tema, área de atuação, nível de atuação, perfil das gestoras das organizações sociais, etc. Quando passamos para o modelo de investimento direto, a seleção dos apoiados é conhecida apenas pelas equipes internas das organizações do investimento social privado.
Outro ponto que o investimento social privado precisa refletir é sobre as doações “carimbadas”, ou seja, as doações que são para uso restrito do projeto ou causa específica, sem que haja possibilidade de reverter parte dos recursos para a manutenção das organizações sociais. É de extrema importância que as organizações doadoras possam avançar para modelos de doação mais flexíveis, sem restrições e plurianuais.
Em qual contexto torna-se necessária a busca por novos modelos de doações?
Guiné: As organizações periféricas e negras, em geral, não têm acesso às grandes organizações do investimento social privado, o que dificulta a captação direta. Se a organização social atua fora da região sudeste, essa dificuldade fica ainda maior. Diante deste cenário de escassez de recursos, a busca por novos modelos de doação deve ser uma estratégia permanente das organizações periféricas e negras. Entre os novos modelos estão as doações por redes sociais, modelos de assinatura, doações empresariais integradas, entre outras.
A sociedade como um todo tirou grandes aprendizados da pandemia da Covid-19, e para as organizações sociais não foi diferente. Com a queda de doações no país, após a pandemia, depender única e exclusivamente de uma organização doadora é um erro que pode custar a existência da organização. Por isso, ter um plano de captação e mobilização de recursos que incorpore diferentes fontes de recursos, isso inclui novos modelos de doação, é o primeiro passo para que as organizações periféricas e negras não fiquem subordinadas aos recursos destinados às urgências e emergências das periferias brasileiras.
Pode contar exemplos bem-sucedidos de novos modelos de doações?
Guiné: Um dos modelos de doação mais bem-sucedidos, principalmente durante a pandemia, foram o crowdfunding e o matchfunding. Essas modalidades de doação permitiram às organizações sociais dobrar ou triplicar o recurso captado. O Matchfunding Enfrente, por exemplo, mobilizou mais de R$ 12 milhões , no período de 2020 a 2023, engajando diferentes organizações do investimento social privado, a partir do co-investimento em projetos e soluções das periferias. Porém, ainda nada é mais poderoso do que o olho no olho, o contato direto com as organizações doadoras. Por isso, é fundamental mapear as redes de relacionamentos das pessoas e parceiros das organizações periféricas e negras.
O que uma organização filantrópica deve se atentar ao elaborar um novo formato e financiamento?
Guiné: Ao elaborar um novo formato e financiamento para uma organização filantrópica, é crucial considerar uma série de elementos para garantir que a iniciativa seja eficaz, sustentável e alinhada aos objetivos da organização. Entre algumas considerações importantes estão: missão e objetivos, análise das necessidades, engajamento da comunidade e da rede de relacionamentos, transparência e prestação de contas e se possível, avaliação de impacto.
Quais os caminhos de novos formatos de doações mais recomendados para organizações periféricas e negras?
Guiné: Para que ocorra uma captação de mobilização de recursos com eficácia é preciso do engajamento de toda equipe e, em muitos casos, recursos para investir na captação. Isso deve ser entendido como um compromisso institucional, pois impacta diretamente na continuidade das operações gerais de uma organização. Dito isto, antes de pensar em novos formatos de doações, elabore um plano de captação e mobilização de recursos. A partir dele, será possível ter uma visão mais ampla das fontes de receitas e dos meios e canais para captar. É neste momento que inicia-se o desenho do plano tático dos novos modelos de doação. Entre outros caminhos possíveis estão as campanhas por celular, campanhas por meio de embaixadores e/ou celebridades, eventos, licenciamento da marca, crowdfunding ou matchfunding, microdoações, entre outros.