Gilberto Costa, diretor executivo na J.P. Morgan e cofundador do Pacto de Promoção da Equidade Racial, avalia que organizações devem ser intencionais na composição de seus quadros para promover a diversidade
Por Beatriz de Oliveira, do Nós, mulheres da periferia
Gilberto Costa, diretor executivo na J.P. Morgan (empresa que oferece serviços financeiros) e cofundador do Pacto de Promoção da Equidade Racial, entende que a existência de uma filantropia antirracista passa necessarimente pela constituição de equipes diversas, inclusive nos cargos de liderança.
Enquanto líder negro neste ramo, Costa expressa incômodo com a baixa presença de pessoas negras em posições como a sua. “Me parece contra intuitivo esperar que um setor não diverso em sua composição consiga ter um olhar diverso em sua plenitude com relação aos problemas raciais que atingem a sociedade brasileira e como atacá-los”, pontua.
Embora a questão racial seja uma preocupação reconhecida por muitas organizações filantrópicas, a pesquisa “Periferias e Filantropia: as barreiras de acesso aos recursos no Brasil”, lançada pelo GIFE em abril de 2023, revela que 31% das organizações de periferias operam com menos de R$ 5 mil por ano, enfrentando dificuldades para acessar recursos filantrópicos. Nota-se que essas iniciativas são formadas majoritariamente por mulheres negras.
Para abordar essa disparidade e promover a inclusão de mais pessoas negras em cargos de lideranças, Gilberto Costa diz que “se faz necessário e urgente um debate claro sobre o que queremos para o terceiro setor enquanto sociedade, do ponto de vista da diversidade e representatividade de sua composição e do ponto de vista do direcionamento dos recursos ao combate da desigualdade racial”.
Confira a entrevista completa com Gilberto Costa
Poderia contar um pouco sobre sua trajetória enquanto liderança negra na filantropia?
Gilberto Costa: Eu me apaixonei pelas causas sociais e pela filantropia quando comecei a trabalhar no Banco Itaú, em São Paulo nos anos 2000, e tive a oportunidade de ter contato com a Fundação Itaú Social e seus programas, inclusive o Itaú Voluntário. Naquele momento começou a despertar em mim o sentimento de poder ajudar o próximo.
Em 2012, ao ingressar no JP Morgan Brasil tive a grata oportunidade de me conectar com a JP Morgan Foundation e as organizações apoiadas pelo grupo JP Morgan, tais como Fundo Baobá e Feira Preta.
Neste momento, eu entendi que além de contribuir para um mercado financeiro mais equalitário eu também poderia contribuir com minha experiência para uma sociedade mais justa e igualitária para todos. Com especial foco nas causas raciais, a partir deste momento começa minha jornada mais próxima ao terceiro setor através da participação no conselho de várias organizações e como cofundador e diretor executivo do Pacto de Promoção da Equidade Racial.
Por que é importante a presença de pessoas negras em cargos de liderança e em conselhos de grandes empresas?
Gilberto Costa: O fato do nosso país ser composto em sua maioria por pessoas negras e por mulheres traz a necessidade de termos representatividade desta parte da sociedade em todos os segmentos: civil e das empresas. Infelizmente, por fatores estruturais e por falta de políticas públicas e privadas claras, estes dois grupos ainda se encontram sub-representados em vários setores da economia e também no terceiro setor. Sem esta representatividade, fica muito mais desafiador esperar que todo este ecossistema que permeia o terceiro setor e o mundo empresarial apresente mudanças estruturais e consistentes no que tange as ações em prol da igualdade de raça e de gênero, como também com relação ao Investimento Social Privado nas ações de combate às desigualdades racial e de gênero na nossa sociedade.
Em relação especificamente a área da filantropia, como avalia a necessidade de líderes negros em organizações e iniciativas?
Gilberto Costa: A necessidade de maior representatividade negra nas organizações filantrópicas, incluindo institutos e fundações familiares e empresariais, é urgente. O terceiro setor tem um papel estratégico e fundamental para toda sociedade, e sem que tenhamos um ambiente diverso, forte e que represente a maioria da sociedade brasileira, corremos o risco de não ter a visão completa de todos os problemas a serem atacados. Não podemos tirar da nossa mente que uma pessoa não negra pode sim falar sobre o combate ao racismo, mas ela nunca terá vivenciado o que é ser negro, assim como um homem, pode sim falar sobre o combate a desigualdade de gênero, mas ele nunca terá vivenciado o que uma mulher vivenciou.
Precisamos que as organizações do terceiro setor reconheçam a necessidade de representatividade ao comporem seus quadros, conselhos e diretorias para que a diversidade enriqueça as discussões e tomadas de decisão com relação a alocação de recursos filantrópicos.
A presença de lideranças negras nessa área causa incômodo?
Gilberto Costa: A não presença de lideranças negras nas organizações do terceiro setor, ou melhor, a baixa presença de lideranças negras no terceiro setor, tendo como base a composição da nossa sociedade, me causa um incomodo enquanto líder negro dentro do mundo da filantropia. Me parece contra intuitivo esperar que um setor não diverso em sua composição consiga ter um olhar diverso em sua plenitude com relação aos problemas raciais que atingem a sociedade brasileira e como atacá-los. Certamente, o alto grau de qualificação da liderança da grande maioria das organizações do terceiro setor ameniza o impacto desta não representatividade negra na liderança, mas não o elimina e muito menos elimina o risco do viés na análise dos problemas raciais e suas soluções.
Quais os caminhos e enfrentamentos necessários para que tenhamos mais mulheres e homens negros liderando iniciativas filantrópicas?
Gilberto Costa: Não posso deixar de mencionar o maravilhoso trabalho que o GIFE vem coordenando, em conjunto com organizações do movimento negro, para que tenhamos um terceiro setor mais diverso do ponto de vista racial. Infelizmente, este trabalho ainda não apresentou o resultado esperado pela liderança do GIFE no que tange ao aumento de pessoas negras nas lideranças das organizações e com relação a alocação de recursos de Investimento Social Privado para o tema de combate ao racismo e a desigualdade racial, principalmente investimentos voltados para educação.
Aqui vamos precisar que as organizações do terceiro setor sejam intencionais tanto na composição de seus quadros, diretorias e conselhos, como também com relação a alocação de seus investimentos.
Também se faz necessário e urgente um debate claro sobre o que queremos para o terceiro setor enquanto sociedade, do ponto de vista da diversidade e representatividade de sua composição e do ponto de vista do direcionamento dos recursos ao combate da desigualdade racial. Nossos estudos, grupos de discussão e fóruns têm exercido um papel fundamental em trazer o tema para pauta e fomentar a discussão sobre potenciais soluções para o problema.
Como as políticas e práticas de recrutamento e seleção podem ser aprimoradas para garantir uma representação mais equitativa de pessoas negras em cargos de liderança e conselhos?
Gilberto Costa: Novamente precisamos olhar sobre a lógica da intencionalidade. As organizações do terceiro setor, quer sejam institutos, fundações familiares ou empresariais, precisam reconhecer a necessidade da mudança e discutir ações de curto, médio e longo prazo para que esta mudança aconteça.
Não estamos falando de mudanças na liderança das organizações da noite para o dia, estamos falando da discussão sobre números atuais, na utilização de fatos e dados para embasar as discussões sobre as possíveis ações e com isso termos o comprometimento das organizações do terceiro setor com ações e metas para ambientes mais diverso do ponto de vista racial.
Com isso estaremos melhor preparados para pensar juntos em como a filantropia pode apoiar ainda mais o combate ao racismo e a desigualdade racial no nosso país. O GIFE tem um papel fundamental na geração de inteligência de dados e estudos para apoiar esta discussão. Nossas ações ao longo dos anos demonstram nosso comprometimento com a equidade racial no terceiro setor e no apoio da filantropia no combate ao racismo. Estamos falando aqui da filantropia antirracista.